Post by Raibow Silva on Mar 9, 2019 21:27:12 GMT -3
Os jovens Titãs
Os Jovens Titãs se tornaram uma das equipes de heróis mais conhecidas da DC depois da estreia da série animada de mesmo nome (Teen Titans, 2003–2006). Foi um desenho necessário para que a Warner pudesse emplacar vários filmes animados do time, uma segunda série infantil com os heróis chamada Jovens Titãs em Ação (Teen Titans Go!, 2013–presente), e até mesmo o desenho Justiça Jovem (Young Justice, 2010–presente), que acaba de voltar de seu hiato de cinco anos. A proposta de uma série live-action, então, é ao mesmo tempo promissora e perigosa, já que se trata de uma propriedade intelectual muito explorada, que por quase duas décadas criou memórias afetivas junto aos fãs. Desde ontem, a primeira temporada de Titãs (Titans) está disponível na Netflix, reunindo alguns dos integrantes mais queridos que já passaram pela equipe a partir de uma perspectiva pouco usual. Isso porque a série, para maiores de 16 anos, se inspira no sucesso recente do universo Marvel/Netflix, com muita violência explícita e questões consideradas tabu, como violência sexual e abuso infantil. Ao mesmo tempo, envelhecer as personagens e tirar o “Jovem” do título não impede o roteiro de se perder em discussões tipicamente adolescentes, não direcionadas para o público jovem-adulto. É assim que, embora tenha muito potencial e alguns episódios verdadeiramente marcantes, Titãs encontra muita dificuldade em definir seu tom, algo que precisa ser pensado com atenção se a série pretende ter sucesso futuro.
De estoica para histérica
Assim que as primeiras fotos de bastidores da série Titãs foram divulgadas, a produção sofreu críticas duras dos fãs pela forma como as personagens principais foram retratadas. Parte das críticas tinha origem racista, vindas de pessoas que não aceitavam uma mulher negra do papel de Estelar (Anna Diop), quando a personagem originalmente é abóbora e qualquer etnia estaria naturalmente deslocada. Contudo, é possível compreender outra parte das críticas, já que a recusa de pintar Estelar de abóbora veio junto de um Mutano branco (Ryan Potter), ao invés de verde, e uma Ravena (Teagan Croft) que não se assemelhava muito à sua versão nos quadrinhos e desenhos animados. Isso porque mudanças assustam, e desde a fase de filmagens a série mostrava que pretendia criar uma versão própria dos Jovens Titãs. Mudanças visuais, no entanto, não necessariamente alertam para problemas de roteiro, e é possível imaginar visuais diferentes para personagens clássicos e ainda assim respeitar os elementos básicos que fazem essas personagens serem o que são. Contudo, no caso de Titãs, as mudanças afetam mais ou menos alguns dos integrantes do time, com jornadas pessoais que nem sempre estão alinhadas aos mesmos objetivos.
Por um lado, Titãs quer ser uma série adulta, capaz de discutir o universo de heróis a partir de uma perspectiva realista, ligada aos problemas morais e legais trazidos pelo vigilantismo. É por isso que temos um Dick Grayson (Brenton Thwaites) mais violento do que se espera que o Robin seja, porque a série pretende discutir o peso que a vida de herói pode ter sobre os ombros de uma criança, sujeita a um treinamento duro e a uma infância sem afeto. Da mesma forma, outros heróis terão sua jornada traçada a partir de traumas e perdas pessoais, o que inclusive serve para mostrar a violência ligada ao vigilantismo como uma forma distorcida dessas pessoas lidarem com os próprios problemas. Não é difícil, então, lembrar de Watchmen (Alan Moore, David Gibbons e John Higgins, 1986–1987), com sua visão áspera e cruel do universo de heróis — que inclusive está para ganhar uma nova adaptação em série, pela HBO, ainda em 2019. Principalmente a partir de Dick Grayson, mas também com outras participações mais ou menos surpreendentes, Titãs constrói seus melhores momentos quando mergulha a fundo na vida real desses indivíduos sujeitos a uma vida de risco e brutalidade, onde se confunde a capacidade de alguém de fazer o bem com seu poder destrutivo.
Por outro lado, Titãs propõe mudanças menos palatáveis para outras personagens. Em termos de roteiro, a mudança mais relevante para a primeira temporada da série é a de Ravena, que de estoica passou para histérica. Enquanto outros heróis tipicamente adolescentes surgem em Titãs como adultos, Ravena ainda é uma adolescente, não conhece suas origens e nem a extensão de seus poderes. A mudança de origem, então, faz com que Ravena seja apenas Rachel Roth, uma garota perseguida por um culto fanático, e cujas desventuras servirão de catalisador para o encontro de diferentes metahumanos. Ravena encarna o lado mais teen da série, com reações, diálogos e conflitos evidentemente escritos para um público adolescente que ficou de fora da classificação indicativa, com um tom que ainda entra em conflito com as discussões mais sérias a que a série se propõe. Em paralelo, temos uma Estelar sem memória, que sabe apenas que está a procura de Rachel Roth, por um motivo desconhecido. A amnésia poderia justificar a facilidade que Estelar encontra de matar todos em seu caminho, fazendo com que o poder destrutivo da heroína também suscitasse a discussões sobre o papel, e os limites, dos super-heróis. Contudo, o arco da personagem nunca se desenvolve, e sua presença na temporada é menos justificada do que a de coadjuvantes restritos a um ou poucos episódios. O que nos leva a considerar o maior problema de Titãs, enquanto temporada: a série, incapaz de traçar um objetivo único, também nunca deixa claro aonde quer chegar.
Qual o propósito?
Uma série quase sempre é obrigada a deixar abertura para temporadas futuras, o que inclui até mesmo cenas impactantes que anunciam grandes problemas, os famosos cliffhangers. Apesar disso, cada temporada de uma série precisa de um grande objetivo, um arco narrativo com início, meio e fim que dê coesão para o conjunto de episódios. Afinal, tem que existir um motivo para que se agrupe um número certo de episódios em cada temporada. No caso de Titãs, no entanto, esse objetivo nunca fica claro, o que significa que quando a temporada chega ao fim, nenhum dos problemas foi resolvido, nenhuma personagem mostrou um crescimento definitivo e nenhum dos arcos conflitantes foi resolvido. Junte isso a uma cena pós-créditos que antecipa a chegada de ainda mais Titãs e fica claro que a DC precisa arrumar a casa também no universo das séries, além do cinema. Mesmo porque um spin-off de Titãs, Patrulha do Destino (Doom Patrol), já vai ao ar em 2019.
Para que a série Titãs tenha um futuro para além da curiosidade inicial que incita, é necessário que as próximas temporadas estejam organizadas de forma a permitir que suas personagens se desenvolvam. Enquanto Dick Grayson mostra um amadurecimento impressionante ao longo dos episódios, Mutano é praticamente ignorado pelo roteiro, e nunca se sabe o que os roteiristas pretendem para Ravena e Estelar. Não é à toa que os melhores episódios de Titãs são justamente aqueles que fogem à trama principal, já que ao introduzir outras personagens de forma passageira a série dá ao espectador uma subtrama que possui uma conclusão. Isso é um problema porque a série recompensa muito mais o público quando não está ocupada com o que deveria ser seu eixo narrativo, um indício de que os roteiristas ainda não sabem muito bem como lidar com um conjunto diverso de personagens, cada uma delas em meio a uma jornada pessoal própria, ligadas por relações fracas e coincidências. É preciso mais do que isso para manter unido um time de heróis, e ainda que não sejam mais necessariamente jovens, os Titãs têm um potencial enorme que pode ser melhor aproveitado se a DC estiver aberta à auto-crítica.
Para quem é Titãs?
Titãs é, em geral, divertida, possui um elenco competente e aproveita da melhor forma que pode o pouco dinheiro que parece ter sido disponibilizado para efeitos visuais. A estrutura narrativa que não deixa claro seu propósito, no entanto, precisa ser ajustada para garantir longevidade à série, já que, por enquanto, as diferentes personagens possuem arcos próprios muito distantes uns dos outros, que mudam inclusive o tom da série para um programa mais adulto ou um entretenimento juvenil. Incerta sobre o que pretende ser, a primeira temporada de Titãs possui momentos altos e baixos, o que indica potencial ao mesmo tempo que a necessidade de um planejamento mais atento da equipe de roteiro. Que os melhores episódios estejam centrados em tramas paralelas, ao invés do desenvolvimento da narrativa principal, é ainda mais uma evidência de que Titãs ainda não sabe como irá conduzir seu universo, algo que precisa ser esclarecido o quanto antes, já que essa é a primeira série original do DC Universe, com outras duas a caminho ainda esse ano. Contudo, por hora, Titãs é uma ótima opção para fãs da DC que estejam abertos a ver versões diferentes de personagens conhecidas; por mais que isso não baste, a longo prazo.
Fonte:Falange
Os Jovens Titãs se tornaram uma das equipes de heróis mais conhecidas da DC depois da estreia da série animada de mesmo nome (Teen Titans, 2003–2006). Foi um desenho necessário para que a Warner pudesse emplacar vários filmes animados do time, uma segunda série infantil com os heróis chamada Jovens Titãs em Ação (Teen Titans Go!, 2013–presente), e até mesmo o desenho Justiça Jovem (Young Justice, 2010–presente), que acaba de voltar de seu hiato de cinco anos. A proposta de uma série live-action, então, é ao mesmo tempo promissora e perigosa, já que se trata de uma propriedade intelectual muito explorada, que por quase duas décadas criou memórias afetivas junto aos fãs. Desde ontem, a primeira temporada de Titãs (Titans) está disponível na Netflix, reunindo alguns dos integrantes mais queridos que já passaram pela equipe a partir de uma perspectiva pouco usual. Isso porque a série, para maiores de 16 anos, se inspira no sucesso recente do universo Marvel/Netflix, com muita violência explícita e questões consideradas tabu, como violência sexual e abuso infantil. Ao mesmo tempo, envelhecer as personagens e tirar o “Jovem” do título não impede o roteiro de se perder em discussões tipicamente adolescentes, não direcionadas para o público jovem-adulto. É assim que, embora tenha muito potencial e alguns episódios verdadeiramente marcantes, Titãs encontra muita dificuldade em definir seu tom, algo que precisa ser pensado com atenção se a série pretende ter sucesso futuro.
De estoica para histérica
Assim que as primeiras fotos de bastidores da série Titãs foram divulgadas, a produção sofreu críticas duras dos fãs pela forma como as personagens principais foram retratadas. Parte das críticas tinha origem racista, vindas de pessoas que não aceitavam uma mulher negra do papel de Estelar (Anna Diop), quando a personagem originalmente é abóbora e qualquer etnia estaria naturalmente deslocada. Contudo, é possível compreender outra parte das críticas, já que a recusa de pintar Estelar de abóbora veio junto de um Mutano branco (Ryan Potter), ao invés de verde, e uma Ravena (Teagan Croft) que não se assemelhava muito à sua versão nos quadrinhos e desenhos animados. Isso porque mudanças assustam, e desde a fase de filmagens a série mostrava que pretendia criar uma versão própria dos Jovens Titãs. Mudanças visuais, no entanto, não necessariamente alertam para problemas de roteiro, e é possível imaginar visuais diferentes para personagens clássicos e ainda assim respeitar os elementos básicos que fazem essas personagens serem o que são. Contudo, no caso de Titãs, as mudanças afetam mais ou menos alguns dos integrantes do time, com jornadas pessoais que nem sempre estão alinhadas aos mesmos objetivos.
Por um lado, Titãs quer ser uma série adulta, capaz de discutir o universo de heróis a partir de uma perspectiva realista, ligada aos problemas morais e legais trazidos pelo vigilantismo. É por isso que temos um Dick Grayson (Brenton Thwaites) mais violento do que se espera que o Robin seja, porque a série pretende discutir o peso que a vida de herói pode ter sobre os ombros de uma criança, sujeita a um treinamento duro e a uma infância sem afeto. Da mesma forma, outros heróis terão sua jornada traçada a partir de traumas e perdas pessoais, o que inclusive serve para mostrar a violência ligada ao vigilantismo como uma forma distorcida dessas pessoas lidarem com os próprios problemas. Não é difícil, então, lembrar de Watchmen (Alan Moore, David Gibbons e John Higgins, 1986–1987), com sua visão áspera e cruel do universo de heróis — que inclusive está para ganhar uma nova adaptação em série, pela HBO, ainda em 2019. Principalmente a partir de Dick Grayson, mas também com outras participações mais ou menos surpreendentes, Titãs constrói seus melhores momentos quando mergulha a fundo na vida real desses indivíduos sujeitos a uma vida de risco e brutalidade, onde se confunde a capacidade de alguém de fazer o bem com seu poder destrutivo.
Por outro lado, Titãs propõe mudanças menos palatáveis para outras personagens. Em termos de roteiro, a mudança mais relevante para a primeira temporada da série é a de Ravena, que de estoica passou para histérica. Enquanto outros heróis tipicamente adolescentes surgem em Titãs como adultos, Ravena ainda é uma adolescente, não conhece suas origens e nem a extensão de seus poderes. A mudança de origem, então, faz com que Ravena seja apenas Rachel Roth, uma garota perseguida por um culto fanático, e cujas desventuras servirão de catalisador para o encontro de diferentes metahumanos. Ravena encarna o lado mais teen da série, com reações, diálogos e conflitos evidentemente escritos para um público adolescente que ficou de fora da classificação indicativa, com um tom que ainda entra em conflito com as discussões mais sérias a que a série se propõe. Em paralelo, temos uma Estelar sem memória, que sabe apenas que está a procura de Rachel Roth, por um motivo desconhecido. A amnésia poderia justificar a facilidade que Estelar encontra de matar todos em seu caminho, fazendo com que o poder destrutivo da heroína também suscitasse a discussões sobre o papel, e os limites, dos super-heróis. Contudo, o arco da personagem nunca se desenvolve, e sua presença na temporada é menos justificada do que a de coadjuvantes restritos a um ou poucos episódios. O que nos leva a considerar o maior problema de Titãs, enquanto temporada: a série, incapaz de traçar um objetivo único, também nunca deixa claro aonde quer chegar.
Qual o propósito?
Uma série quase sempre é obrigada a deixar abertura para temporadas futuras, o que inclui até mesmo cenas impactantes que anunciam grandes problemas, os famosos cliffhangers. Apesar disso, cada temporada de uma série precisa de um grande objetivo, um arco narrativo com início, meio e fim que dê coesão para o conjunto de episódios. Afinal, tem que existir um motivo para que se agrupe um número certo de episódios em cada temporada. No caso de Titãs, no entanto, esse objetivo nunca fica claro, o que significa que quando a temporada chega ao fim, nenhum dos problemas foi resolvido, nenhuma personagem mostrou um crescimento definitivo e nenhum dos arcos conflitantes foi resolvido. Junte isso a uma cena pós-créditos que antecipa a chegada de ainda mais Titãs e fica claro que a DC precisa arrumar a casa também no universo das séries, além do cinema. Mesmo porque um spin-off de Titãs, Patrulha do Destino (Doom Patrol), já vai ao ar em 2019.
Para que a série Titãs tenha um futuro para além da curiosidade inicial que incita, é necessário que as próximas temporadas estejam organizadas de forma a permitir que suas personagens se desenvolvam. Enquanto Dick Grayson mostra um amadurecimento impressionante ao longo dos episódios, Mutano é praticamente ignorado pelo roteiro, e nunca se sabe o que os roteiristas pretendem para Ravena e Estelar. Não é à toa que os melhores episódios de Titãs são justamente aqueles que fogem à trama principal, já que ao introduzir outras personagens de forma passageira a série dá ao espectador uma subtrama que possui uma conclusão. Isso é um problema porque a série recompensa muito mais o público quando não está ocupada com o que deveria ser seu eixo narrativo, um indício de que os roteiristas ainda não sabem muito bem como lidar com um conjunto diverso de personagens, cada uma delas em meio a uma jornada pessoal própria, ligadas por relações fracas e coincidências. É preciso mais do que isso para manter unido um time de heróis, e ainda que não sejam mais necessariamente jovens, os Titãs têm um potencial enorme que pode ser melhor aproveitado se a DC estiver aberta à auto-crítica.
Para quem é Titãs?
Titãs é, em geral, divertida, possui um elenco competente e aproveita da melhor forma que pode o pouco dinheiro que parece ter sido disponibilizado para efeitos visuais. A estrutura narrativa que não deixa claro seu propósito, no entanto, precisa ser ajustada para garantir longevidade à série, já que, por enquanto, as diferentes personagens possuem arcos próprios muito distantes uns dos outros, que mudam inclusive o tom da série para um programa mais adulto ou um entretenimento juvenil. Incerta sobre o que pretende ser, a primeira temporada de Titãs possui momentos altos e baixos, o que indica potencial ao mesmo tempo que a necessidade de um planejamento mais atento da equipe de roteiro. Que os melhores episódios estejam centrados em tramas paralelas, ao invés do desenvolvimento da narrativa principal, é ainda mais uma evidência de que Titãs ainda não sabe como irá conduzir seu universo, algo que precisa ser esclarecido o quanto antes, já que essa é a primeira série original do DC Universe, com outras duas a caminho ainda esse ano. Contudo, por hora, Titãs é uma ótima opção para fãs da DC que estejam abertos a ver versões diferentes de personagens conhecidas; por mais que isso não baste, a longo prazo.
Fonte:Falange